Entre a porra do algoritmo e a delícia do tempo offline, é bem provável que eu não tenha visto as vossas fotos de rabanadas nem a sucessão de famílias felizes que descem dos céus todos os natais (ai, Tolstoi, se tu soubesses…) . Mas isso não significa que não queira contribuir para a caldeirada de fim de ano. Também tenho conselhos de fim de ano para partilhar (e, desta vez, não são bitaites sobre política cultural).
Claro que vocês não precisam disto. Se há coisa que todos, aliás, dispensamos hoje em dia é alguém a sugerir que nova série é “incrível”. Eh pá, tens de ver. Seguindo-se, evidentemente, a enumeração das razões pelas quais o nosso interlocutor acha que temos mesmo de ver. Eu sou bué diferente, como se vê. (Os meus amigos, a quem massacrei as orelhas, sobretudo com Fleabag, são pessoas que percebem o valor da auto-ironia.)
A minha sugestão é que terminem o ano a evitar a neurose colectiva que outras séries, livros, espectáculos e afins se encarregam incessantemente de alimentar. No capítulo ‘séries’, a tendência é mais que evidente. Years and years é um exemplo perfeito (e bem feito). É tudo inteligente e convenientemente pré-apocalíptico, e pelo mesmo preço ficamos de consciência alinhada com os grandes temas da actualidade. Tudo certo, Netflix über alles. Também consumo, embora não inale. Mas é chatíssimo quando consumir cultura e arte é o equivalente requintado de ler a Visão, ou o Monde Diplomatique, vá. A própria expressão ‘consumo’ já está aqui a mais, mas isso fica para outro dia.
A questão, portanto, é a seguinte: e se, de repente, Ambrósio, lhe apetecesse algo? Uma ficção bem amanhada, de imaginação prodigiosa e em que a política está lá – como não? – mas com contradições que nos deixa resolver sozinhos. Esse bombom é Watchmen (HBO) e tem super-heróis, saltos no tempo, e os problemas do homem branco ocidental, of course. São nove horas muito bem passadas.

Caso ainda vos sobre tempo e tenham mesmo vontade de continuar a explorar as misérias do masculino do ocidente, próstata incluída, vejam The Kominsky Method, uma paródia irresistível sobre o envelhecimento que assenta sobretudo nos fabulosos diálogos entre dois portentos, Alan Arkin e Michael Douglas.

Aviso: nada disto é edgy, nada disto fará de vocês pessoas mais cultas.