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[No rescaldo]

Quando se está há muitos anos a trabalhar no ‘sector’ (essa entidade fantasmagórica), chega-se facilmente a um ponto em que se sabe sempre demais. Sabe-se demais para falar e demais para ficar calado. Fui lendo, comentando e intervindo (não necessariamente aqui). Fico muito aliviada e pessoalmente confortada por ver o Tiago Guedes assumir um erro, coisa rara em directores em funções públicas; fico aliviada, mesmo sabendo que isso não apaga o sucedido, nem explica a evolução meteórica e apaixonada do assunto na cidade. Isso ‘já são outros quinhentos’, como sói dizer-se.

Salvem-nos da direita!!! Salvem-nos da esquerda!!!

No Porto, em 2020, é mais ou menos assim. Depois de, para enterrarmos de vez os anni horribiles de Rui Rio, termos experimentado uma versão atípica de ‘geringonça’, retomar a normalidade democrática parece impossível. A cidade parece meia entorpecida e bipolar, ora ressabiada e furiosa, ora dando vivas e celebrando. A cultura, até pelo lugar de destaque que lhe tem sido dado (não discuto aqui a dimensão porventura táctica desse destaque, o destaque e – sobretudo, o investimento correspondente – são um facto iniludível) é uma das áreas em que esse confronto surdo se vai experimentando. Só que esse confronto, em vez de se traduzir num debate público acerca de alternativas e de exercício do contraditório, consubstancia-se numa série de mini-conspirações e de ‘casos’, uns maiores outros menores, uns justificados, outros francamente óbvios na sua tentativa de aproveitamento político. É ‘poucochinho’, para a segunda cidade do país.

À (para mim) clara inteligência estratégica com que a equipa do actual presidente se propôs dinamizar a cultura, contrapõem-se, naturalmente, outros tantos falhanços e, sobretudo, alguns sinais de tentativa de controlo das vozes críticas que são francamente difíceis de admitir (não me refiro ao texto da Regina Guimarães). Da esquerda, esperava-se que se reorganizasse, compusesse um discurso de intervenção crítica na cidade e começasse, a partir daí, a lutar por tornar clara qual seria a sua alternativa, caso estivesse no poder. Só que o Partido Socialista continua, por um lado, ocupado consigo próprio, e, por outro, notoriamente refém dos compromissos que fez, durante o curto casamento, com as políticas da cidade e com alguns dos seus protagonistas. Sobra o resto da esquerda, claro, que para mim não é despicienda, é aliás o ‘lugar’ onde, provavelmente, mais vezes votei. Mas também aí é difícil encontrar sinais de normalidade e de produção de discurso que supere as trincheiras do costume e não se alimente de historietas.

Eu, que habitualmente me sinto confortável em convívio com híbridos, categorias instáveis, e cruzamentos de vária ordem, tenho tido saudades do tempo em que conseguia dizer quem era a minha malta, do ponto de vista político. Hoje, por muitas razões complexas de mais para enfiar à martelada num post, quem não tem trela partidária (como é o meu caso), nem contrato de trabalho sem termo, nem ouro no banco, tem por vezes dificuldades genuínas em distinguir o essencial do acessório, o verdadeiro do nebuloso, a acção da reacção. A ser verdade que este triste episódio estará encerrado, faço votos para que no Porto, a partir de agora, ardam menos fogueiras e muito mais (ardentes) debates. (Com desculpas pela poética de mercearia.)

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